A identidade do Psicanalista
Luiz César Cazarim / Consultor Técnico do IBPC
Quem é o psicanalista para seus analisandos e pacientes? Se fizermos esta pergunta àqueles que foram ou estão sendo analisados, teremos as mais diversas respostas. Mesmo admitindo que não sabem quem somos, certamente, eles esperam que sejamos aquele que sabe quem eles são. Ao nos procurarem, eles depositam em nossas mãos suas esperanças, suas angústias, suas dores e, mesmo sem terem plena consciência do que desejam, estarão desejando “ser entendidos”. Buscam em nós a aceitação e a compreensão de suas dores e de si mesmos.
O psicanalista recebe as dores de seu paciente e, as acolhe e escuta segundo um entendimento específico; como encontramos nas palavras de Osvaldo Luís Barison: “Existem dores circunstanciais, as dores individualizadas. Contudo, a dor que a todos nos une é a dor do ignorar, o não saber, o escapar-se à compreensão de si mesmo; perceber-se joguete da realidade e descobrir que, ao contrário das fantasias narcisistas de nossa infância, não ocupamos lugar algum especial – reconhecer, enfim, a orfandade que caracteriza todo ser humano.” A esta incompletude sentida e ignorada se soma o sentimento de finitude. Certamente não se pode viver para sempre. Ao precisar ser e saber-se, o indivíduo acaba recorrendo a alguém capaz de conduzi-lo nesta jornada.
Emir Tomazelli, refletindo sobre seu trabalho, a psicanálise, escreveu: “Estou na minha cova de trabalho, estou na minha caverna de labuta e de suor pelo árduo serviço. Ela é uma farmácia, fabrico venenos que são antídotos, fabrico remédios em mim. Neste trabalho de cova, de caverna, nesse ambiente subterrâneo de cura, faço poções das palavras ditas, das palavras malditas. Ah! Como elas pesam. O trabalho da cova é um trabalho de cura que nasce do envelhecimento dos materiais. Mais que sublime, o que apodrece devolve vida à vida. Da putrefação à sublimação, longa é a jornada de trabalho. Arrancar de cada sujeito o ser que se nega, levá-lo do podre ao sublime. Trazer o ser, fazê-lo nascer. Trabalho de ventre, trabalho de tripa, não de inteligência. Trabalho de cova, de caverna, de paciência.”
São profundamente inspiradoras as palavras de Tomazelli. No consultório de análise, na profundeza da caverna escura, no ventre, no útero, está sendo concebido e gestado o sujeito-pensador que, oportunamente, nascerá e existirá. É um trabalho – realizado por uma dupla – de espera; espera enquanto o ser vai crescendo e se preparando para nascer. É um tempo de escuta e de palavras; um tempo de recriação. Thomas Ogden diz que “Sonhar nossa própria experiência é adquirir a posse dela no processo de sonhá-la, pensá-la e senti-la. A nossa continuidade de ser – o ‘zumbido’ de fundo de estar vivo – é o ‘som’ contínuo de sonhar-se sendo.”
Dizer quem é o psicanalista é também dizer quem ele não é; é também não saber o lugar onde é posto por seus analisandos e pacientes e o lugar que lhe está interditado. O psicanalista deve estar, mas não deve estar; ele precisa ser e não-ser.
Eu li, há algum tempo – não posso mais lembrar-me onde – o poema a seguir, escrito por uma adolescente de quinze anos de idade e publicado na Littel Review, em 1916, nos Estados Unidos da América. Pareceu-me que ela tentava dizer exatamente o que estamos tentando entender: que precisava da ajuda de alguém que deveria, simultaneamente, ser todos e também ser ninguém. Assim ela escreveu:
“Gostaria que houvesse alguém que ouvisse minha confissão:
Não um padre – não quero que me digam os meus pecados;
Não minha mãe – não quero causar tristeza;
Não uma amiga – não entenderia o bastante;
Não um amante – ele seria parcial demais;
Não Deus – Ele é tão distante!
Mas alguém que fosse ao mesmo tempo o amigo, o amante, a mãe, o padre, Deus
e ainda um estranho – não julgaria, não interferiria,
e, quando tudo já tivesse sido dito desde o início até o fim,
me mostraria a razão das coisas, me daria forças pra continuar
e para resolver tudo a minha própria maneira”.
Ser e não-ser, estar e não-estar, não é apenas uma invisibilidade, mas, antes, uma transparência presente na ausência. É não estar entre o sujeito e o que ele é. Thomas Ogden cita um conto de Jorge Luís Borges sobre Shakespeare, onde Borges assim o descrevia: “Não havia ninguém nele; por trás de seu rosto…e em suas palavras, que eram copiosas, fantásticas e tempestuosas, havia apenas um pouco de frieza, um sonho sonhado por ninguém…Diz a história que antes ou depois de morrer, ele [Shakespeare] viu-se na presença de Deus e Lhe disse:’Eu que fui inutilmente tantos homens quero ser um e eu mesmo’. De um redemoinho à voz do Senhor respondeu: ‘Tampouco sou eu alguém; eu sonhei o mundo como você sonhou seu trabalho, meu Shakespeare, e entre as formas em meu sonho está você, que como eu é muitos e ninguém'”.
Acredito, portanto, que a identidade do psicanalista está no que ele oferece a seus analisandos e pacientes que permite que eles possam ser e seguir sendo por si mesmos. No trabalho de análise, como nos diz Ogden, “…não encontramos a assinatura do analista (isto é, sua presença), nem sua ausência (que marca sua presença por sua ausência), mas vestígios dele como alguém que estava presente e tornou-se ausente, deixando vestígios”.