A Dependência Química

Rubens Leite/Psicanalista


Classificada pela Organização Mundial de Saúde como uma doença, a dependência química,
para os usuários, é uma questão complexa. Fisiologicamente, o uso continuado de alguma
substância psicoativa realmente provoca uma disfunção no equilíbrio químico cerebral,
desregulando o mecanismo de balanceamento dos neurotransmissores e levando muitos
neurônios à inatividade. Isso cria uma situação quase sem retorno que leva aquele que tenta se
manter limpo a dificuldades específicas. Do ponto de vista psicológico, não é mais fácil. A
necessidade constante de manipular e mentir para sustentar o uso (inclusive e principalmente
para si mesmos) leva a distorções importantes na personalidade que, quanto mais longo é o
período de uso, mais graves ficam. E, para complicar um pouco mais, se o usuário já tiver
fragilidades psíquicas ao começar esse processo, ao longo dele podem aparecer comorbidades
– doenças deflagradas por ele, importantes e, muitas vezes, ainda mais graves do que o dano
cerebral e as distorções psicológicas: esquizofrenias e outros distúrbios semelhantes têm sido
observados em não poucos casos. Por tudo isso, é conhecida, nos grupos de AA (Alcoólicos
Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos), a máxima que diz: “Quanto pior melhor!” A ideia, aqui,
é que quanto mais rápido for o processo de sofrimento com o uso, mais rápido “chega-se ao
fundo de poço”, parando de usar e estancando o processo antes que os danos sejam muito
grandes.
Mas por que o usuário precisa chegar ao “fundo do poço” para parar? Essa é uma pergunta
frequente que se ouve de quem está fora desse meio, mas que para os “adictos” (é assim que
eles se chamam) frequentadores dos grupos de AA e NA é fácil responder: a “adicção” é tão
forte e as pessoas ficam tão orgulhosas, egocêntricas e prepotentes ao longo do processo que
relutam muito para pedir ajuda e só o fazem quando não aguentam mais.
E, nesse cenário, o quê a família pode fazer para ajudar?
Esta é uma pergunta também frequente cuja resposta muitos não conseguem ouvir: apenas
fazer com que o fundo do poço seja, para seu familiar, mais raso. E como? Parando de ter pena,
parando de ajuda-lo a não enxergar os prejuízos! Apenas enxergando e sentindo na pele a dor
de usar é que o usuário vai considerar a opção de para e entrar em recuperação. Não pague as
contas dele, não facilite a vida dele, não o superproteja, não o deixe mais infantilizado do que o
uso prolongado já faz. E vão procurar ajuda para a família: procurem, o quanto antes, grupos de
ajuda como ALANON, NARANON e Amor-Exigente que vão orientá-los a promover a ajuda certa,
porque esse é um problema que pode desestruturar e até destruir sua família.