O processo psicanalítico
Luiz César Cazarim/Psicanalista
A compreensão psicanalítica de experiências clínicas apresenta uma infinidade de
variáveis e envolve uma grande quantidade de considerações teóricas e técnicas.
Frequentemente, os casos clínicos não são transparentes e não possuem uma lógica
evidente. A abordagem psicanalítica se foca na subjetividade e singularidade do
psiquismo do paciente. É o que se apresenta como enigmático, no caso, que irá articular
o trabalho clinico. O objeto da análise é o desconhecido, é a Verdade.
Psicanalista e paciente precisam se encontrar no “silêncio original” onde habita a
Verdade e suportarem permanecer no centro de todo o movimento; o que é de muita
dificuldade para o paciente, o qual tentará, de início, manter-se em estado de não-saber,
evitando a Verdade por ser ela insuportável de ser conhecida ou re-conhecida
Na página de abertura da obra póstuma de Bion “Cogitações”, está escrito uma
frase atribuída a Henri Poincaré: “O pensamento é apenas um lampejo entre duas longas
noites, mas esse lampejo é tudo.” O analista é um apanhador de pensamentos, então. Um
paciente caçador à espreita da caça.
Uma atitude mental específica permitirá o analista fantasiar o inconsciente do
paciente no momento mais vivo da escuta, imediatamente antes de interpretar. Este
“sonhar” nos remete a uma mobilidade constante inerente ao processo psicanalítico. Bion
diria que o analista precisa sonhar o sonho do paciente.
O analista estará na posição de observador do campo analítico, onde escuta os
avanços e recuos do processo psicanalítico e ocupa o espaço que surge entre o que aparece
e o que desaparece, sem poder interferir, apenas testemunhar e aguardar com paciência o
momento em que sua intervenção possa ser correta e adequada. Como disse Bion, o
analista passa a necessitar observar o movimento através de um estroboscópio; ou, como
disse Grotstein, usando um facho de intensa escuridão. Acredito que esta circunstância se
refere ao que eu chamaria de “motilidade quântica” do processo analítico – a motilidade
no funcionamento mental do paciente e do analista e os sucessivos modelos que aparecem
e desaparecem para voltar a aparecer. Dirigir a “atenção” para esta motilidade significa
“escutar” um movimento caótico de associações, atuações e somatizações, acreditando e
esperando pelo surgimento do que poderá ser usado para estabelecer ou restabelecer um
estado de ordem. André Green chama de “enquadre interno”, enquadre internalizado pelo
analista quando de sua própria análise, que no meu entender significa o conjunto de
modelos metapsicológicos e clínicos que constituem a base do pensar psicanalítico sem,
embora, se impor à consciência do analista no instante da escuta. Bion diria que um
conhecimento, perfeita e profundamente adquirido, é a condição para que o analista possa
esquecê-lo no campo analítico. Por isto e para isto, Bion propõe uma atitude de “semmemória, sem-desejo e sem-compreensão” como uma disposição para a escuta nãoseletiva, uma escuta que implica um desapego de si e um desapego a privilegiar aspectos
conhecidos, separados e pontuais. Ignacio Gerber vai entender essa atitude como uma
forma de aceitar o “impermanente”, o contraditório e, o que ele considera, o “arracional”.
Como entendeu Emir Tomazelli, é um trabalho de parto, um trabalho de espera. É
uma gestação criativa, na qual o finito se torna infinito e o saber e o conhecimento se
transformam em Verdade e Sabedoria.