O sofrimento psíquico contemporâneo
Luiz César Cazarim / Consultor Técnico do IBPC
O filósofo francês Gilles Lipovetsky apresenta um ensaio sobre o individualismo contemporâneo, o qual pode ser de grande importância para a melhor compreensão do indivíduo da atualidade. Lipovetsky faz uma leitura da era pós-moderna como uma “era do vazio”. Surge uma sociedade que rompe com o sistema e os valores anteriores e institui o indivíduo livre como valor principal – manifestação definitiva do individualismo que se atualiza numa forma contemporânea de narcisismo.
Vivemos nos dias de hoje uma época histórica na qual reina a indiferença indiscriminada, o desengajamento emocional, o desinvestimento social. Reina o culto à liberdade individual e à gratificação pessoal imediata, cuja possibilidade reforça o desafeto pelo conteúdo, o desafeto pelo próprio afeto. Perdeu-se a continuidade histórica. Importa apenas o momento atual, o aqui e agora. Estão banalizados os ideais e o saber. O passado é sentido com medo e o futuro com desespero. O que domina é o vazio interno. O tempo urge. As informações se sucedem em avalanche e convidam ao “não-pensar”.
O corpo e a saúde física são superinvestidos porque o corpo deve não só ser cuidado, mas, antes de tudo, amado e exibido. O indivíduo busca a sua revelação completa através de uma insensível avalanche de intimidade sobre o outro – para ser descoberto e validado pela imagem refletida que retorna aos sentidos.
É preciso existir, existir agora e sempre – por isso morrer ou envelhecer é apavorante e impensável. Embora aumente as tentativas de suicídio, diminuem os seus êxitos. Parece que aumenta o desejo de se matar, mas diminui o desejo de morrer. Não pode haver futuro, pois a temporariedade flerta com a finitude. É preciso que o ego tenha uma existência puramente atual, mesmo que de forma imprecisa, sem finalidade e sem sentido. O individuo é autônomo e se basta. Os valores coletivos enfraquecem e impera a busca do ego e o hiperinvestimento no privado, no si mesmo.
O individuo indiferente em nada se apega, transita por espaços vazios que não oferecem oportunidade de ancoragem. Transita sozinho por estes espaços sem qualquer apoio transcendente, completamente vulnerável, suscetível de desmoronar a qualquer momento diante da adversidade que enfrenta enfraquecido e desarmado. É um individuo que deseja a solidão, mas não suporta a si mesmo estando só. Essa falta de ancoragem remete à erosão das referências do ego, o qual se apresenta esvaziado de sua identidade. Na verdade, não se suporta estando só justamente porque o si mesmo não existe.
O ego fragmenta-se diante da inflação de opções, das conquistas fáceis e imediatas, livre da culpabilidade moral, livre da responsabilidade de considerar a existência do outro como sujeito, como símbolo de alteridade e como parceiro na partilha. Explode a solidão e aprofunda-se o mergulho na depressão. Quanto maior a indulgência, a tolerância e a liberdade, maior a sensação de solidão. Quanto maior o bem-estar físico e concreto, maior a profundidade da depressão e maior o estado de confusão mental.
Ao narcisismo associa-se o pânico ao “lá fora” exageradamente ameaçador. Principalmente os jovens, que, devido ao “poder do agora”, destituídos de continuidade histórica, sem passado e sem infância, não têm para onde voltar e se refugiar e, diante de um mundo adulto ameaçador longínquo, entregam-se à violência e às drogas para protegerem-se do total aniquilamento.
A Dra. Marion Minerbo, em seus estudos, desloca-se do nível do sintoma individual para o nível de um fenômeno social com manifestações individuais, com o fim de examinar a forma subjetiva individual que se constitui no contexto da cultura pós-moderna. Conclui que a cultura pós-moderna é caracterizada pelo que ela chama de “fragilidade do símbolo” ou “fragilidade da ordem simbólica”, na qual a palavra perde sua força e aparece a exigência de que a representação e a coisa representada apresentem-se simultaneamente.
Ela entende que a instituição institui um laço simbólico que une o significante ao significado. A instituição, para funcionar dessa forma, necessita ter força e lastro, o qual é dado pelos seus representantes ao sustentarem o lugar simbólico que ela lhes oferece. Por exemplo, a justiça se fortalece por meio do juiz que julga de forma justa; a família se fortalece a medida que a mulher e o homem ocupam seus lugares de mãe e pai e assumem a responsabilidade de cuidar dos filhos.
Ao fraturar-se o laço simbólico, o significante torna-se oco, torna-se vazio de significação. Dessa forma, o sujeito da pós-modernidade questiona as equivalências simbólicas fixadas pelas instituições modernas, o que acarreta um relativismo absoluto, no qual tudo pode significar qualquer coisa, o que acaba por deixar o sujeito sem chão, completamente à deriva. A partir daí, em que ele vai basear sua identidade, se já não há nada que lhes sirva de referência?
Podemos então entender que na falta da função simbolizante primariamente exercida pelo inconsciente materno – propiciando a experiência subjetiva de “fazer sentido” – o sujeito é exposto ao trauma do “sem-sentido” e à consequente angústia de ser aniquilado; esse trauma e essa angústia reaparecem quando o sujeito vê-se exposto a conviver com instituições desprovidas de significado simbolizante.