Os impasses do amor, na conjugalidade e na parentalidade
Nilton Oliveira / Psicanalista
Amor = Substantivo masculino, definido entre outras coisas como conjunto de fenômenos cerebrais e afetivos que constituem o instinto sexual.
Amor é um derivativo do verbo amar que é um verbo e como todo verbo demanda uma ação, portanto, requer um movimento direcionado.Pode-se afirmar que amar será um movimento de quem ama direcionado a um destino, um objeto de intenção. Será sempre de quem ama em destino ao objeto do seu amor. Mas amor também é representado por um sentimento. Diz – se de amor entre pais e filhos, entre irmãos, amor ao trabalho, amor á Pátria. De que amor se fala, que é este conceito?
Conforme os textos que tratam das origens da civilização, o amor como conceito de algo que vem de dentro do sujeito, é relativamente à existência do homem, muito novo.
A história da conta de 3 milhões de anos do homem na terra. O amor é algo que surge com os filósofos por volta de 800 a 900 anos antes de Cristo. Portanto, muito recente.
A partir da mitologia grega que é o que funda a civilização ocidental pode-se perceber que o conceito não existia nos primórdios do Cosmos. Os deuses da mitologia eram cruéis, violentos, arrogantes e sem compaixão ou piedade.
Cerca de 1000 anos a.C.,destacam-se os filósofos. As crenças e a vida na polis começam a ser questionadas e as atitudes humanas discutidas nas arenas de apresentações teatrais.
Entre eles surge Platão que apresenta o amor como o “desejo” e a este desejo denomina de Eros, que em sua definição não estava carregado de conotação sexual e sim uma força espiritual misteriosa, intermediário entre os deuses e os homens. Em O banquete é que o termo amor surge com a conotação de desejo, do que não se tem.
Se amar é desejar, a partir do momento que se tem não se deseja mais. Tendo o objeto desejado sob poder não deseja-se mais consequentemente também não se ama mais.Então o que fazer agora que não há mais desejo nem amor?
É preciso desejar de novo para amar outra vez, caso contrário a vida perde sentido em si mesma. Sem desejo deixa-se de existir.
Mais tarde um dos discípulos, Aristóteles, renova o conceito, afirmando que amar é ter desejo pelo que já se tem. Ele diz “Se não tenho não há motivo para amar (desejar)”. A este tipo de amor Aristóteles vai chamar de Philia.
Chega-se ao mundo mais próximo dado como mundo judaico cristão, o amor muda e passa a ser, dar a outrem alegria, tal qual fosse a sí mesmo, ainda que para isto tenha que sacrificar-se. O EU passa a não ter valor, exceto se for para fazer o outro feliz. Amar passou a ser símbolo de sacrifício, despojamento, em função de outrem. Este amor recebe o nome de Ágape. Que passa a divinizar o sentido de amor.
Neste caso o desejo já está excluso do sentido de amar e passa a ter conotação pejorativa, visto que, amar passou a ser um verbo divinizado, e desejar tornou-se um verbo carnal. O que é carnal se deixa de lado visto que o divino é o mais importante.
Vemos que ao longo do tempo amor passou de um conceito filosófico em Platão, para chegar a um sacrifício do EU em beneficio de outrem levando ao sacrifício com a crucificação de Cristo, por amor aos pecadores que são os que possuem desejos carnais.
Chega-se em Freud que com a Psicanálise, institui outro conceito de amor, que retoma o do desejo, mas um desejo diferente, o de reviver um estado de completude perdido no tempo passado, no período de simbiose com a mãe. O princípio de Nirvana.
A separação entre mãe e bebê gerará quebra desta simbiose, que para o bebê não tem nome nem simbolização. Faltam-lhe elementos psíquicos para tanto, surgirá um sentimento indefinido de falta. Não sabe do que, mas falta. Surge o sujeito desejante.
Desejante do que? Do que lhe falta.
De varias formas ao longo da vida buscará preencher esta falta que se tornou desejo. E assim retomamos Platão.
Em tempos idos, o processo de sedução era longo, transpassado pelo flerte, namoro, noivado e casamento. À medida que o par amadurecia a relação e se apercebia que o “outro”, outrora tão desejado e idealizado como complemento, não era o real objeto de completude, poderia então estabelecer-se o amor amadurecido, deslocado da paixão.
Em vingando o amor, estabelecer-se-ia uma cumplicidade de compromisso consciente. Quero estar contigo mesmo sabendo que você não é tudo que EU idealizei.
Roland Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso vai dizer: “Há duas afirmações do amor. Primeiro, quando o apaixonado encontra o outro, há a afirmação imediata… digo sim a tudo (me tornando cego). Segue-se um longo túnel: meu primeiro sim é roído pelas duvidas, o valor amoroso é todo instante ameaçado de depreciação. Posso sair, porém, desse túnel; posso sobrelevar, sem liquidar; o que afirmei uma primeira vez posso novamente a firmar, sem repetir, porque então, o que afirmo, é a afirmação, não sua contingência: afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero sua volta, não sua repetição. Digo ao outro(antigo ou novo): Recomecemos”.ibid (LOPES, M. 2009:47).
Lê-se no texto de Barthes que o amor é visto como algo que liga dois elementos o apaixonado que encontra o outro e assim sendo, vamos ao artigo de estudo: Uma leitura psicanalítica do laço conjugal,que no inicio já articula o tema amor como um movimento pulsional, conforme é a descrição do verbo amar. Escreve ela: “Toda escolha de objeto de amor tem na sua base um movimento pulsional que visa reencontrar o objeto perdido, portanto, o objeto amado é escolhido, numa operação narcisista, em referência ao objeto de desejo. Há uma lógica nas condições do amor norteando o estabelecimento de laços conjugais”.
Visto ser este desejo, narcísico pergunta-se: Como saber que o outro me ama?
Cada um há de acreditar de forma ilusória que formas de comportamento do outro serão ou não a resposta. Nunca haverá certeza da reciprocidade, apenas suposições. O que mais se demanda no amor é a reciprocidade. Se se busca a reciprocidade, é falsa a afirmativa pelo menos psicanaliticamente do “amor incondicional”.
Na conjugalidade bem como na parentalidade o que ocorre é a ilusão de que o amor idealizado como pratica, faz a ligação entre os elementos. Quando um dos elementos julga não haver correspondência conforme esperado o conflito aparece. Poder-se-á dizer: acabou o amor. Crê-se que não, mas, acabou o encantamento ilusório de que o outro seria a completude. Entretanto não há completude no amor são elementos que buscam preenchimento de uma falta que é primaria e que ninguém terá a capacidade de preencher.
É na compreensão deste dilema humano, de incompletude que se entende a instalação do amor de forma amadurecida não ilusória.
“O parceiro de um laço conjugal será objeto de amor quando a relação estabelecida incluir a alteridade, ou objeto de paixão quando pouco importa sua existência como sujeito”.
Entende-se que o amadurecimento do laço conjugal passa a existir a partir do momento que as necessidades narcísicas deixam de existir de maneira exacerbada e a paridade passa a ser a busca de primeira ordem do laço.
Naturalmente algum resquício narcísico ainda restará, entretanto, o amadurecimento da intersubjetividade que liga os dois seres fará com que a necessidade psíquica satisfatoriamente encontre de forma sublimada condições que favoreçam o laço conjugal.