Por que é tão difícil analisar o inconsciente?

Paulo César / Psicanalista


“A Psicanálise traz para a consciência, conteúdos que estavam recalcados no Inconsciente”. S. Freud.

Antes de iniciar o assunto faço uma breve introdução para esclarecer que para a Psicanálise, diferente de outras ciências, o desenvolvimento do indivíduo é constituído pelas suas representações, isso acontece desde os primeiros anos de vida, ou seja, dos cuidados e afetos parentais, (sua mãe ou aquele que exerceu esse papel). Isso significa que as relações familiares e a infância é uma das fontes mais importantes para entender o sofrimento de alguém. Por isso que o método da análise vai mais além que outros métodos, porque para chegar na raiz do problema, do trauma, muitas vezes é necessário desvendar, interpretar e elaborar os conflitos inconscientes dos pacientes é uma das tarefas inerente da psicanálise que, através da “livre associação” conduz o indivíduo ao encontro do seu verdadeiro eu.

Entretanto, uma das causas que muitas pessoas desistam da análise é que todo esse processo faz com que mostre a nós mesmos aquilo que preferimos ignorar. Nas palavras de Lacan: “…quanto mais nos aproximamos da verdade da nossa história, mais temos vontade de lhe dar as costas”. Isso acontece porque toda compreensão interna provoca dor, ressentimento e ansiedade.

Mas porque isso acontece?

Quando um paciente procura um atendimento clínico, e começa a falar de suas angustias, traumas, lembranças desagradáveis, desejos reprimidos, medos e bloqueios, começa um processo para acessar esses conteúdos que provavelmente estavam recalcados no inconsciente. Mas isso nem sempre é fácil, abre-se feridas é doloroso e depende muito da disposição do próprio paciente em querer melhorar e enfrentar seus próprios “monstros. Na teoria psicanalítica, Freud projetou uma estrutura psíquica, onde o Ego está sempre procurando atender os desejos e impulsos do Id e as exigências do Super-Ego. Nestes conflitos em querer atender essas duas instâncias, há mecanismos que criam resistências para que tais conteúdos não sejam acessados, fazendo com que o paciente muitas vezes desista.

Se criamos resistências para acessar esses conteúdos, é possível analisá-las?

Sim, na maioria das vezes. Ao usar a técnica na clínica psicanalítica e para se analisar uma resistência, primeiramente o paciente deve perceber que há uma resistência em ação. Há uma variedade delas com detalhes muito peculiares desses mecanismos, vejamos algumas:

  • Atrasos e faltas recorrentes nas seções, desculpas, medos, negações, racionalizações e sintomas orgânicos, são ações demonstráveis conscientes ou não, que o paciente se está se defrontando com uma resistência.

Segundo Carabajal, (2015), A resistência deve ser confrontada para ser superada e o esclarecimento são necessários à interpretação, porque essa elaboração leva o paciente a uma compreensão interna e um amadurecimento de seu comportamento.

Vejamos um exemplo clínico:

Uma paciente cuja mãe faleceu de infarto, e tendo ela, um forte sentimento de apego, o medo de morrer do mesmo mal da mãe, e qualquer estímulo externo é um estopim para sentir frequentes sufocações, sudorese, e oscilações na pressão arterial… No momento em que o psicanalista a “confronta” e faz esta associação, é comum, o paciente dizer; “não, o que eu sinto não tem nada a ver com a morte da minha mãe”. Para refletir: O que será que ela está evitando?

No exemplo acima, podemos perceber diversas variáveis, tais como medo, culpa, sintomas físicos e negação. Exatamente aí está uma resistência a ser trabalhada, aprofundada, esclarecida, interpretada e sofrer elaboração.

As resistências podem ser favoráveis ou desfavoráveis?

Toda a resistência influencia o paciente a trabalhar na situação analítica e o próprio desenvolvimento da análise mobiliza tendências conflitantes dentro do paciente. Vale ressaltar que elas variam de acordo com a intensidade de cada pessoa. Podem se opor aos procedimentos analíticos ou podem se tornar favoráveis e ainda podem mudar no decorrer do tratamento.

No exemplo anterior, se houve uma aliança entre paciente e analista, os sentimentos de medo, culpa e negação podem ser elaborados e o desejo de melhorar motivam a paciente a explorar mais tais questões.

Mas pode ocorrer também uma forte resistência e o paciente pode fazer manobras defensivas para que seu Ego evite a dor e sofrimento ou ainda o medo da mudança e a busca de segurança que impele um ego infantilizado a se agarrar aos padrões neuróticos familiares ou um superego irracional que exige passar por esse sofrimento a fim de expiar uma culpa inconsciente.

Fortes mobilizações da resistência: Segundo Mário Carabajal.

  • Quando um paciente atua com uma transferência hostil que motiva o paciente a derrotar o psicanalista;
  • Uma transferência romântica e sexual que leva à inveja e frustração e, finalmente, a uma transferência hostil;
  • Impulsos sádicos e masoquistas que impulsionam o paciente a criar uma variedade de prazeres dolorosos;
  • Impulsividade e tendências à atuação que impelem o paciente na direção de gratificações rápidas e, ao mesmo tempo, lutando contra a compreensão interna;
  • Os ganhos secundários da doença neurótica que tentam o paciente a ficar preso à sua neurose.
  • Ou ainda poderá estar encobrindo grandes e patológicos raciocínios e conceitos.

 

Outras resistências que emergem para a consciência:

Um lapso ocorre quando o paciente muda de assunto de forma inconsciente, como por exemplo a um paciente que inicia a sessão dizendo querer falar sobre sua gerente no trabalho e após descrevê-la minuciosamente, por um lapso, diz: – “minha mãe foi muito exigente”. Nesse momento, inconscientemente, ele possibilita-nos conduzir o assunto a uma nova perspectiva.

O paciente pode querer determinar o assunto da sessão. Eu por exemplo, já tive paciente que em algumas sessões levava uma lista do que queria falar como se estivesse com o discurso programado. Neste caso, o analista deve conduzir a sessão normalmente.

Ou ainda ter um paciente que começa a falar de forma incompreensível numa verdadeira salada de palavras ou falar como um bebê. O termo para isso é “perda da função do EGO”.

A resistência, num caso, pode ser aquilo que está sendo bloqueado, num outro caso a resistência pode se manifestar de forma superficial. Ou seja, o paciente pode estar falando de coisas banais porque tem vergonha de ficar em silêncio e ter que revelar que nada tem a dizer ou um desejo proibido. Mário Carabajal.

“Suas associações nos revelam quais são suas preocupações, o que está tentando emergir na consciência, o que desperta interesse nele. As associações, ou a ausência das mesmas, também nos mostram o que ele está procurando evitar(…)”. Freud.

Todas essas situações descritas acima, traduzem as produções de conteúdo inconsciente do paciente, seus pensamentos, fantasias, sentimentos, comportamento e impulsos têm que ser pesquisados até os seus predecessores inconscientes que podem manifestar-se de forma sintética, inteligíveis ou fragmentadas.

A aptidão mais importante que o psicanalista deve possuir é sua habilidade para traduzir tais fragmentos.

A análise em si é uma pintura de um quadro, embora fragmentado, o paciente vai pintando o fundo, a base, vai dando forma a essa arte, só assim será possível traduzir esses fragmentos para a sua forma inconsciente e original.