Psicanálise? O que é isto?
Luiz César Cazarim / Consultor Técnico do IBPC
Sempre me sinto desconfortável quando pessoas conhecidas, amigos ou pacientes me fazem perguntas sobre a psicanálise, esperando respostas claras, objetivas e úteis em seu aspecto prático. Eu me questiono: Como tornar simples algo tão complexo sem correr o risco de profaná-lo? Parece-me que a psicanálise só pode ser – mesmo que insuficientemente – compreendida no setting analítico (no consultório se preferirem) enquanto local de encontro entre duas pessoas, o analista em sua poltrona e o paciente no divã; um encontro que se transforma em uma relação intersubjetiva de duas mentes que interagem com seus processos intrapsíquicos, mobilizando, de forma criativa, uma infinidade de possibilidades.
Nos dias de hoje, muitos ainda procuram manter uma distância segura da psicanálise, da qual, caso resolvam se aproximar, o fazem com temor, desconfiança e sensação de impaciência diante do tempo que a clínica psicanalítica exige, considerado muito longo; outros preferem a indiferença defensiva; e outros, corajosamente, confiam, embora não a saibam explicar.
Mas, mesmo com toda a dificuldade na formulação das respostas esperadas, proponho nos lançarmos na reflexão que se seguirá, uma abordagem dentre tantas outras possíveis.
A psicanálise, mesmo como filha da medicina psiquiátrica – uma filha amorosa e leal às suas origens – no seu processo de crescimento, precisou emancipar-se e buscar novos horizontes. Cresceu sob acusações e detratações oriundas de preconceitos moralistas e exigências estreitas de um saber científico duro e rígido em nome de uma pretensa respeitabilidade. Seguiu adiante sem alarde e se desenvolveu para a compreensão da mente humana pelo seu vértice dinâmico e criativo, afastando-se assim do binômio estagnado de saúde-doença.
Falarmos do método psicanalítico – descoberto por Freud – é ao mesmo tempo celebrarmos a beleza dos processos pelos quais a mente humana opera sobre as experiências emocionais da vida para lhes fornecer uma representação, para lhes dar sentido, através da formação simbólica, que torna possível o pensar e o sonhar a respeito dessas experiências. Não são processos fáceis, precisam de tempo e podem estar sujeitos a uma variedade de dificuldades, assim como o prisioneiro desacorrentado do Mito da Caverna contado por Platão ao subir em direção à luz do sol, à fonte do saber, do bem e do belo.
De acordo com Bion, esses processos precisam contar com um aparelho para pensar os pensamentos e, porque não, um aparelho para sonhar os sonhos. Ferramentas que nem sempre estão disponíveis, que precisam ser criadas ou recriadas. Permitam-me convidá-los a apreciar um “conto-de-fadas” de Ruben Alves. Ele o conta assim:
“Era uma vez um príncipe de voz maravilhosa que encantava a todas as criaturas que o ouviam. Seu canto era tão belo que seduziu até a bruxa que morava na floresta negra e que por ele também se apaixonou. Mas, diferente de todos os outros, que se sentiam felizes só de ouvir, ela resolveu cantar também. Que lindo dueto faremos, ela pensou. E logo se pôs a cantar. Acontece, entretanto, que bruxas não conseguem cantar afinado. Bastava que ela abrisse a boca para que dela saíssem os sons mais bizarros, que soavam como o coaxar de sapos e rãs. A vaia foi geral. A bruxa se encheu de uma inveja raivosa e lançou contra ele o mais terrível dos feitiços: Se não posso cantar como você canta, farei com que você cante como eu canto. E o príncipe foi transformado num sapo. Envergonhado de sua nova forma, ele fugiu e se escondeu no fundo da lagoa, onde moravam os sapos e as rãs. Ele ficou em tudo parecido aos batráquios. Menos uma coisa. Continuou a cantar tão bonito quanto sempre cantara. Mas desta vez quem não gostou do canto do novo sapo foram os sapos e as rãs que só sabiam coaxar. O canto novo soava aos seus ouvidos como coisa de outro mundo, que perturbava a concordância da sua monotonia sapal. Severos, advertiram: Quem mora com rãs e sapos tem que coaxar como rãs e sapos. O príncipe-sapo fez cessar o seu canto e não teve alternativas: teve que aprender a coaxar como todos os outros faziam. E tanto repetiu que acabou por se esquecer das canções de outrora. Não, não se esqueceu não…Porque, quando dormia, ele se lembrava dentro dele. Mas quando ele acordava, se esquecia. Mas não de tudo. Ficava uma saudade indefinível. Saudade, ele não sabia bem de quê. Saudade que lhe dizia que ele estava longe, muito longe do lar…”
O Príncipe, o verdadeiro Self (Winnicott), foi vítima do “mau-olhar” da bruxa da floresta negra, vítima da destrutividade da inveja, que o acorrentou (como o prisioneiro de Sócrates na caverna) nas profundezas da lagoa, onde, no “ambiente-sapal”, com o fim de continuar a ser aceito, mesmo com a sensação de não existir, obrigou-se a coaxar como sapos. Apoiando-nos nas concepções de Bion, Meltzer, Ferro e outros, diríamos que, embora as canções continuassem a existir, precisavam reencontrar o cantor. O Príncipe perdeu (embora não para sempre) o aparelho para cantar as melodias.
Proponho que seja isto a psicanálise: O método que permite ao analista, junto com seu paciente-sapo, reencontrar e trilhar o longo caminho de volta ao lar, onde o sapo poderá se transformar novamente em Príncipe e resgatar o aparelho eficiente para cantar as canções – mesmo que no decorrer dessa viagem de volta a fúria da bruxa tenha que ser reenfrentada; mesmo que o canto de morte das sereias exijam fortes amarras que protejam o “Herói Homérico”, durante o retorno a seu reino, dos feitiços da ilusão.
Em belas palavras poéticas, Ruben Alves interpreta seu conto e nos diz que “Este é o resumo da psicanálise. É uma história em que se misturam o amor, a beleza e o feitiço do esquecimento… A psicanálise é uma luta para quebrar o feitiço da palavra má que nos fez adormecer e esquecer a melodia bela. É um ouvir atento de uma canção que só se ouve no intervalo do silêncio do coaxar dos sapos, e que nos chega como pequenos e fugazes fragmentos desconexos. É uma batalha para nos fazer retornar ao nosso destino, inscrito nas profundezas do mar da alma…Mora em nós um outro que não se esquece da nossa verdade…Mas existe uma felicidade que só mora na beleza. E esta a gente só encontra na melodia que soa, esquecida e reprimida, no fundo da alma.”